Preparado pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho
INTRODUÇÃO
A cidade de Filipos recebeu este nome em homenagem a Filipe, pai de Alexandre, o Grande. Era uma cidade predominantemente grega e, geograficamente, a primeira cidade da Macedônia, sendo colônia romana, nos tempos do Novo Testamento (Atos 16.12). Possuía templos a Baal e Astarte (a esposa de Baal, no paganismo oriental), segundo informações históricas. Parece que não havia muitos judeus na cidade, porque não há registro de uma sinagoga. Tanto que Paulo encontrou um grupo de mulheres judias piedosas, em oração, junto a um rio (Atos 16.13). A igreja em Filipos teve sua origem em um projeto missionário, após uma visão de Paulo de que deveria ir para aquela região: Atos 16.9-12. A conversão de Lídia (Atos 16. 14-15) foi o início do cristianismo na cidade. Ela era uma das mulheres judias piedosas, junto ao rio. Tudo indica que era umas igrejas tranquilas, que nunca deu grandes problemas ao apóstolo. Até pelo contrário, podemos presumir, lendo a carta, que era uma das melhores igrejas da época. A carta parece ter sido escrita quando da primeira prisão de Paulo, em Roma, entre os anos 59 a 61 (Atos 28.30-31). Ele foi solto e parece ter voltado à igreja (Filipenses 1.25). Sua segunda prisão, quatro anos depois, é que foi a fatal, culminando em seu martírio.
Qual é, exatamente, o tema tratado nesta epístola? Há uma diversidade de assuntos na carta aos filipenses. Mas parece que o motivo principal foi uma oferta que Paulo recebeu da igreja de Filipos (4.10-18). Ele escreveu para manifestar sua gratidão. Um outro motivo, secundário, foi o de corrigir pequenas irregularidades na vida da igreja. É bem possível que uma carta trazida por Epafrodito narrasse os problemas e ele escreveu para orientar a igreja, antes que se agravassem. Estes problemas eram:
(1) Um certo pessimismo por causa da prisão de Paulo, que já se prolongava por algum tempo. Ele aborda isto em 1.12-20. Eles começaram a se entristecer, pensando que Paulo não seria solto.
(2) Uma divisão na igreja porque duas senhoras, possivelmente líderes, estavam brigadas. Evódia e Síntique causavam este problema (4.2). É curioso como todas as igrejas para as quais Paulo escreveu tinham problemas internos, de relacionamentos. Muita gente, hoje, fala de “volta à igreja primitiva”. Mas muitas das igrejas de hoje se apresentam em estado espiritual melhor que as do Novo Testamento.
(3) A presença, mais uma vez, de obreiros que desvirtuavam o trabalho de Paulo. Eram os judaizantes, novamente. Eles nunca o deixaram em paz, desde sua derrota, em Atos 15, quando a palavra de Paulo teve peso para que o cristianismo rompesse com o judaísmo. Ele foi bem duro com eles (3.2-3) e os declarou como inimigos não dele, Paulo, mas da cruz de Cristo: 3.17-19. Eles eram inimigos da cruz e de Paulo.
UMA VISÃO GERAL DA CARTA
Paulo tinha a Timóteo consigo (1.1). Não parece que o jovem pastor estivesse preso, mas sim que lhe fazia companhia. É verdade que Paulo estava preso (Atos 28.19-20), mas sua prisão era domiciliar (Atos 28.16 e 30-31), e não em uma prisão. Assim podia receber visitas por todo o dia. Em sua casa, sustentado por igrejas como a de Filipos, Paulo mantinha um centro de difusão do evangelho por todo o mundo, a partir de Roma. Por isto ele disse que sua prisão contribuía para o progresso do evangelho (1.12).
Devido ao estilo da carta, bem suave, é difícil destacar os grandes temas. Na realidade, Filipenses não é uma carta empolgante. É bonita, tanto que é chamada de “a epístola da alegria”, mas não é empolgante no sentido de discutir grandes doutrinas e problemas éticos. O fio condutor de Paulo é a igreja como sendo uma comunidade. Isto é mais que um ajuntamento. Uma comunidade tem senso de propósito, de organização e de união. Veremos isto em quatro aspectos.
A IGREJA, UMA COMUNIDADE UNIDA
Não é apenas o pedido a Evódia e a Síntique para que permaneçam unidas (4.2) que mostra isto, mas este é o pensamento geral de Paulo, na carta. O texto de 1.27-30 mostra isto muito bem, como deve ser uma igreja. Em Cristo, a Igreja foi tornada uma unidade (Efésios 2.14 e 4.1-6). Por isto, todo esforço para preservar esta unidade deve ser feito. Quando quebramos a unidade do corpo de Cristo, pecamos contra Deus, contra a Igreja e contra os irmãos.
Outro texto que apela à manutenção da unidade é 2.1-4. O apelo de Paulo, aqui, é bastante emotivo. Já em 4.2, no apelo às duas senhoras brigonas, temos alguma discussão: quem eram elas? Tem-se pensado, embora sem se poder afirmar com certeza, que Evódia é a jovem de Atos 16.16-18, de quem Paulo expulsou um demônio. E que Síntique fosse a esposa do carcereiro (Atos 16.32-34). Alguns presumem assim porque duas estavam brigando por liderança, para ver quem era a mais expressiva na igreja e Filipenses 4.3 parece indicar que elas estavam desde o início do trabalho cristão, em Filipos, apoiando Paulo. Deveriam ser as primeiras convertidas. Mas não devemos dogmatizar aqui. O secundário nunca deve ser nosso maior foco, no estudo bíblico.
Estes textos mais o episódio das duas irmãs brigadas uma com a outra são para nós uma advertência séria. Nunca devemos lutar por poder, na igreja. Serviço não é status espiritual. É dedicação e consagração. Solidariedade e não competição deve ser a marca de nosso relacionamento com os irmãos na igreja. E manter-nos brigados com alguém não é boa política espiritual.
A IGREJA, UMA COMUNIDADE DE HUMILDADE
O texto mais conhecido da epístola é 2.5-11. É um dos mais belos de toda a Bíblia. Ele mostra como Jesus assumiu a condição humana e foi humilhado, não apenas em se tornar carne, mas em ser tratado como criminoso. O ensino de Paulo sobre o ato de Jesus “esvaziar-se” recebeu o nome de kênosis, que é a palavra grega para “esvaziamento”. A idéia é de escoar um líquido ou tirar os grãos de um recipiente. Vejamos como Paulo descreve o caráter de Jesus:
(1) Era Deus
(2) Não se aferrou a isto
(3) Esvaziou-se de sua divindade e glória
(4) Tomou a forma de servo, encarnando-se
(5) Humilhou-se (aceitou a humilhação)
(6) Foi obediente até a morte.
Por causa desta atitude de Jesus, Deus Pai tomou algumas atitudes, recompensando-o:
(1) Exaltou a Jesus soberanamente
(2) Deu-lhe um nome sobre todo nome (colocou-o acima de tudo)
(3) Determinou que todo joelho se dobrará diante dele
(4) Esses joelhos são de anjos (no céu), de homens (na terra) e de poderes malignos (debaixo da terra).
(5) Determinou que todos hão de confessá-lo como Senhor.
A atitude de Jesus é oposta a de Adão, que pretendeu ser mais do que devia. Jesus é o novo Adão, a raiz da nova criação. É o homem que não cai. Ele agrada a Deus em tudo, inclusive com sua kênosis, que leva Deus a exaltá-lo. Este é o ensino teológico.
Do ponto de vista espiritual, numa mensagem devocional, o que Paulo está dizendo é isto: se alguém quer ser grande, que seja pequeno. No cristianismo, grande não é quem domina. Grande é quem serve: Lucas 22.24-27. A glória do cristão não é o domínio, mas o serviço. Deus não recompensa o mando, mas o trabalho. E o maior exemplo é do próprio Filho, que se tornou servo. Isto requer humildade, que nada mais é que um espírito serviçal. Humildade não é subserviência. Jesus não foi subserviente. Humildade é serviço, é utilidade, é vontade de fazer alguma por Deus e pelos outros, em vez de apenas receber. Há muitos membros de igreja que apenas recebem. São alimentados espiritualmente, pedem orações, querem e reclamam cuidados (e como o fazem quando acham que os demais não estão se preocupando com eles!), mas não querem servir. Este não é espírito de humildade, pois não é o espírito de Cristo.
A IGREJA, UMA COMUNIDADE ALEGRE
Há um interessante comentário de Filipenses, editado em Portugal, por um pastor que conheci quando fiz preleções no Seminário de Queluz, perto de Lisboa. O pastor português é muito bom e escreveu um livro inteligente desde o título: “Seja alegre!”. Ele viu que este é o tema da carta: a alegria que há em Cristo. O seguidor de Jesus não é uma pessoa emburrada, de mal com todo mundo, mas alguém verdadeiramente feliz.
Paulo estava encarcerado ao escrever, já dissemos. O texto de 1.7 confirma isto. E, apesar disto, não se queixa. Quase 20 vezes usa substantivos como alegria, gozo e regozijo e os verbos daqui derivados. Dois textos merecem especial atenção: 2.18 e 4.4. Em 3.1 ele diz que não se cansa de repetir isto. Ele tinha saudades da igreja (1.8) e intercedia por ela com alegria (1.4). Há igrejas que fazem os pastores gemer (Hebreus 13.17). Filipos fazia Paulo sorrir.
Há pessoas que pensam que para serem fiéis a Cristo e leais ao evangelho devem ser sisudas, aborrecidas, zangadas com todo mundo. Quando se vê um desses crentes implicantes e rabugentos é justo perguntar-se se leram Filipenses, a carta da alegria. E se se recordam que, em Gálatas 5.22, a alegria é o segundo fruto do Espírito.
Esta alegria deve ser distinguida de bobeira (ou leseira, como diz o amazonense). O Salmo 16.11 mostra que na presença de Deus há “plenitude de alegria”. Como disse um comentarista: “A igreja cristã deve ser uma comunidade de alegria, um espaço para celebração festiva dos atos de Deus a favor de seu povo. Os crentes devem ser alegres, pois sabem que foram adotados e recebidos na família de Deus”. Não é pensamento positivo nem programação neurolinguística. É consequência de nossa fé. É uma alegria genuína, obra do testemunho do Espírito em nossa vida, e não uma manipulação de dirigentes de culto. É espiritual, e não humana. Precisamos sempre lembrar que não devemos tentar fazer a obra do Espírito. Ele sabe fazer.
A IGREJA, UMA COMUNIDADE DE LIBERALIDADE
A igreja havia encaminhado duas ofertas a Paulo (4.16 e 18). Não parece ter sido uma esmolazinha, pois Paulo disse que tinha até demais, depois da oferta recebida. E, com sinceridade, diz ele, em 4.19, que Deus responderá à atitude dos filipenses, suprindo tudo para eles. Não se trata, aqui, de defender meus direitos como pastor, mas há igrejas que pensam que pastor é alguém chamado para passar necessidades e sofrer bastante. Sofrer um pastor já sofre. A igreja não precisa se preocupar em causar mais sofrimentos a ele.
Não é tanto a questão do valor recebido que alegra a Paulo, mas a atitude da igreja. Assim diz o rodapé da Bíblia Pastoral: “Paulo agradece o auxílio que os filipenses lhe enviaram através de Epafrodito. Ele se alegra, não tanto pelo auxílio material recebido, mas pelo afeto e crescimento espiritual que a comunidade demonstra através da oferta”. Só mesmo uma pessoa madura é liberal. A igreja era madura e por isso liberal. O texto de 4.19, vale a pena lê-lo outra vez, mostra que Deus recompensa a liberalidade. Não tanto alguma oferta para o pastor, mas o investimento na obra. Deus vê e recompensa.
UMA ÚLTIMA QUESTÃO – OS DESÍGNIOS DE DEUS
Vimos que a igreja se preocupava com a prisão de Paulo e que este foi um dos motivos que o levou a escrever a carta: aquietá-la. Paulo deixa uma indicação muito preciosa para os pastores: um pastor não inquieta uma igreja nem lhe causa distúrbios. Acalma-a. Não se bate em rebanho. Ama-se um rebanho. Um rebanho não é para ser dominado, mas para ser amado. E um rebanho que se sabe amado deve tratar bem seu obreiro.
É bem expressivo o que o apóstolo diz em 1.12-13. Por que estava ele preso? Como pode uma pessoa se dedicar a Deus e este, aparentemente, abandoná-la? A resposta começa em 1.14. E termina, muito bem, em 4.22. Filipenses foi escrita entre os anos 59 e 61. Pouco mais de 25 anos após a morte de Jesus, no palácio do imperador romano, na capital do mundo, já havia cristãos. O evangelho saíra de Jerusalém chegara a Roma, centro do mundo, e começara a tomar o Império Romano de dentro. Como precisamos de cristãos infiltrados nas áreas de influência do mundo! A prisão de Paulo em Roma fazia parte do plano de Deus. O apóstolo “contaminaria” mais ainda o Império. O Senhor já havia decidido isto bem antes, como lemos em Atos 9.15, quando ele falou a Ananias o que faria com Paulo. E mais tarde, em visão, confirmou isto a Paulo: Atos 27.23-24. Uma lição secundária a extrair daqui é esta: Deus sabe o que faz e sabe conduzir os negócios do seu reino. E precisamos de muita sensibilidade espiritual para entendermos que ele pode usar nossas vidas como lhe aprouver, na consecução de seus propósitos.