Preparado pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho para núcleos de estudo bíblico
Nos três estudos anteriores, vimos que Hebreus é um livro singular, com uma estrutura diferente dos demais. Vimos, também, que sua linha de argumentação difere da dos demais. O autor conhece profundamente a teologia judaica, particularmente a questão dos sacrifícios. Mas sua maneira de interpretar o Antigo Testamento é diferente da de Paulo, pois ele emprega categorias de pensamento próprias dos gregos. Isto torna o livro mais fascinante, porque é uma forma de argumentação que ainda não estudamos.
Já vimos, anteriormente, três dos seus temas: a superioridade de Cristo, o sacrifício de Cristo e a nova aliança, trazida por Cristo. Hoje completaremos o livro, com o quarto e último tema: a disciplina de Jesus. É uma consequência prática da pessoa e da obra de Jesus Cristo.
DEFININDO TERMOS
“Se queres conversar comigo, define teus termos”, dizia Sócrates. Definamos disciplina. Não é correção ou castigo. A idéia de “disciplina” vem de 12.5, na palavra “correção”. O termo grego é paidéia, que era o vocábulo usado para a educação integral do grego. Para estes, educar não era apenas ensinar disciplinas, mas preparar para a vida como um todo. A idéia do autor de Hebreus é que a obra de Cristo é nos preparar para a vida como um todo. Devemos aceitar esta “disciplina”, pois ela mostra que somos filhos: 12.5-9.
O INÍCIO DA ARGUMENTAÇÃO
Até 10.18, o autor tratou de teologia. Ele fez uma comparação entre Cristo e Moisés, a lei e o evangelho, o cristianismo e o judaísmo. Mostrou como a nova aliança, trazida por Cristo, é superior que a primeira, trazida por Moisés (8.13). Sua tese, provada, é que o cristianismo é superior ao judaísmo. Agora, finda a argumentação teológica, ele entra no aspecto das aplicações práticas do que disse. Isto faz sentido. O que uma pessoa crê afeta sua conduta.
Em 10.19 temos um “pois”. Em outras palavras, o que ele diz é o seguinte: “por tudo isto que foi dito, tenhamos, então, ousadia para entrar e viver na presença de Deus”. Mas isto não é de forma mística, alienados, dentro de um prédio chamado de “igreja”. No texto de 10.20 ele fala de “um caminho novo e vivo”. Como judeu, ele sabe que a palavra “caminho”(dereq, no hebraico) é mais que uma trilha para se andar. É um estilo de vida. Por tudo que Jesus fez, por tudo que Jesus é, quem se envolveu com ele deve ter um novo estilo de vida. É a vida integral, a paidéia do cristão.
O trecho de 10.19-39 tem semelhança com o de 5.11 a 6.12, em termos de exortação, mas é mais suave. Lá, ele foi duro. Aqui é mais brando. Mas a linha é a mesma: como os seguidores de Jesus devem se portar.
A SEQÃœÚNCIA DA ARGUMENTAÇÃO
Esta disciplina de Jesus para nós implica em agarrarmo-nos à fé, em 10.22. Ele se vale de figuras do ritualismo judaico, como os banhos de purificação (“corpo lavado com água limpa”) para mostrar a vida purificada do cristão. Devemos nos firmar na fé, com “inteira certeza”. Eles, os cristãos hebreus, não devem retroceder nem querer regressar ao judaísmo. A expressão com que ele encerra a seção é bem significativa, como lemos em 10.39.
Além de se firmar na fé, é necessário manter a esperança, como lemos em 10.23. Além da esperança a se nutrir, devemos nos relacionar em amor, é a mensagem de 10.24.
É possível ver que os assuntos tratados por ele em 10.22-24 são fé, esperança e amor. A mesma trilogia apresentada por Paulo, em 1Coríntios 13.8, sendo que Paulo declara que o amor é a maior das três virtudes. O autor de Hebreus segue, aqui, o esquema de Paulo. No capítulo 11, o tema é a fé. No capítulo 12, o tema é a esperança. No capítulo 13, o tema é o amor. No capítulo 11, o versículo chave é o 1. No capítulo 12, a idéia está bem forte no versículo 28. E, no capítulo 13, está no v. 1.
O CLÍMAX DA IDÉIA DE DISCIPLINA
Como dito, “disciplina” não é, no pensamento do autor de Hebreus, mera correção. É uma educação integral. Ele trata da formação integral do cristão. Ele deve se firmar na fé, pois ela é a base da carreira cristã, uma carreira que não deve pedir provas (11.1) sendo que sem fé ninguém pode agradar a Deus (11.6). Por isso, nunca devemos retroceder e sim permanecer firmes (10.39), como os grandes vultos do Antigo Testamento, que permaneceram firmes, como quem vê o invisível (11.27). Eles não obtiveram a concretização da promessa (11.39), que é Cristo. Nós a obtivemos. Podemos ter fé menor do que a deles?
Devemos fazer como eles, pois somos seus continuadores (12.1-3). Só assim poderemos chegar à entrada na “Jerusalém celestial” e chegar a “Jesus, o mediador de um novo pacto” (12.22-24). Em outras palavras, este processo de disciplina espiritual é indispensável para nosso crescimento e nossa jornada cristã. Esta disciplina é o apegar-se ao evangelho com fé, relacionar-se com os irmãos em amor, e viver na esperança das promessas de Deus.
CONSELHOS PRÁTICOS
Mesmo sendo uma obra com uma visão teológica bem elaborada, Hebreus, ainda assim, nos deixa alguns conselhos práticos que deveríamos observar. Eis alguns deles:
- Devemos lembrar que Jesus vive para interceder por nós, como nosso sumo sacerdote: 7.25-26
- Não devemos abandonar a comunhão com os irmãos: 10.25
- Não devemos recuar na fé: 10.39
- Temos uma pátria melhor: 11.16 e 13.14
- Devemos procurar viver em paz com todos: 12.14
- Devemos evitar a raiz de amargura: 12.15. Há muita gente guardando ressentimento na geladeira.
- Não devemos trocar os valores do reino por ninharia: 12.16.
- Devemos evitar a ganância: 13.5.
- Devemos fazer o bem: 13.16.
- Devemos lembrar dos necessitados: 13.2-3
CONCLUSÃO
Hebreus é um desafio ao indolente (6.12) e aos que se recusam a crescer (5.11). Desafia a nossa mente a ter uma visão da grandeza da obra de Cristo, herdeiro de todos as coisas (1.2). O próprio Jesus aprendeu a obedecer, como se vê em 5.8. Precisamos cultivar a obediência ao Senhor e à sua Palavra, como parte do seu processo pedagógico, sua paidéia para conosco, para levar à maturidade cristã.